Por: Maria Cecilia - mcecicouto@gmail.com |
Ruptura estética e questionamento sobre a forma de consumir princípios do punk que fazem parte do DNA da Ventana |
O movimento Punk foi muito além da música tendo referências culturais na área da moda e artes de forma geral. Ainda hoje é possível ver alguns elementos da estética Punk nas roupas, mas para além dos simbolismos que marcam um visual Punk, o movimento trouxe também uma linguagem de ruptura e questionamento em relação ao que a maioria vestia, ouvia e produzia naquela época. Assim como a Ventana, marca Pelotense de upcycling, que desde 2012 também se propõe a romper estética e logisticamente com a forma de fazer moda hegemônica. A seguir falaremos sobre:
* Movimento Punk e suas origens * Moda Punk * A Ventana com o Punk contemporâneo |
Movimento Punk e suas origens
Surgindo primeiro como uma forma de protesto político devido à falta de empregos em Londres na década de 1970, o Punk se tornou em seguida um visual de protesto em relação a essas condições. Primeiro um visual de cunho político seguido de uma atitude agressiva e de uma nova forma de fazer moda e música que segue como uma referência ainda hoje. Os punks se rebelavam especialmente em relação à indústria da moda, que estava crescendo naquela época, e em relação à qual estavam à margem, excluídos. Seu visual era algo que pode ser dito como um anti-moda com peças destruídas e sujas que simbolizavam o espaço do qual esses jovens haviam vindo: periferias onde havia miséria, crime, drogas, abusos, violência policial e familiar e conflitos étnicos. É nesse contexto que vem toda a agressividade e luta dos punks. Eles protestavam/ questionavam o capitalismo, a sociedade de consumo, os hippies e sua filosofia paz e amor, a estratificação da sociedade inglesa e a monarquia. |
Moda Punk
Quando a estética Punk se uniu a manifestações culturais como a música, esta que era vinda das ruas adentrou o mundo da moda. Tal momento se deu com a parceria da designer Vivienne Westwood e da banda Sex Pistols, a designer fez os figurinos da banda em sua turnê que foi responsável por propagar a estética e a ideologia Punk. Westwood trouxe para o figurino elementos que representavam a agressividade das suas como formas pontiagudas, acessórios metalizados, cabelos espetados para cima, muito couro e jeans rasgados, tais elementos se tornaram após esse momento um “uniforme do rock”. A música dos Sex Pistols, seu visual e o contexto em que os membros da banda estavam inseridos produziu conteúdo que afrontava a sociedade. De acordo com Worley (2018), o Punk forneceu uma configuração cultural de inovação criativa e abriu espaço para expressão e liberdade social, além de oferecer bases para estilos de vida alternativos. Muito disso aparece na máxima do Punk de que não existem regras e em ações como a customização e personalização de peças de roupa. Miskolci (2008), complementa dizendo que o movimento é um exemplo de subcultura urbana jovem que compartilhava estilos de vida particulares, modos de vestir e de lidar com o corpo e que se portavam de uma forma independente e transgressora em relação ao vigente e pregado pela sociedade de consumo. A partir dos anos 80 o Punk se disseminou, influenciou a alta costura e se estabeleceu como um subgênero do rock, o Punk Rock, altamente marcado por bandas como Ramones. Nesse contexto, a ideia do faça você mesmo, um dos lemas do Punk, se mostrou na forma de produzir música independentemente. Artistas e bandas produziam de forma autônoma desde suas próprias roupas até seus discos, se posicionando contra o sistema e utilizando a música estética do Punk como uma forma de manifestação contra o capitalismo e o consumismo. Tal atuação independente deu origem ao cinema independente e ao estilo musical indie e underground popularizados na década seguinte e ainda hoje um segmento muito presente na indústria. Frequentemente, a agressividade e a ruptura com o sistema proposta pelos punks reaparece em produções culturais e na moda, como em desfiles de alta costura de grifes como Alexander McQueen nos anos noventa. Desde seu surgimento enquanto movimento contracultural e estética marcante como transgressora o Punk enquanto música e forma de expressão é usado como referência/ inspiração para criadores que busca progresso ou inovação e que por isso provocam um estranhamento, rejeição, se tornando tendências que massificam grupos ou que os separam. Para Walter Benjamin, a moda pode ser compreendida como uma experiência limiar por inscrever as coisas, os homens, e a cultura, numa ordem de transição e de mudança” (ADVERSE, 2012, p.15). Sendo de acordo com Benjamin uma manifestação cultural que por si só já propõe a mudança e a inovação. A expressão do Punk na moda propõe o uso de peças de roupas de segunda mão, paletós, calças, camisas, gravatas, roupas de cama e demais peças encontradas com um retoque pessoal, retirando de um lugar e colocando em outro, acrescentando manchas, mensagens e símbolos, colocando alfinetes e correntes e até mesmo rasgando as peças mostrando um efeito de que foram resgatadas de uma ‘guerra’. Esse manuseio das roupas surgiu com o Punk, foi seguido por processos de customização e personalização que não ficam restritos somente à estética do Punk e aparece de uma forma atualizada no processo de upcycling. Seguindo a ideia Punk de rejeição a sociedade de consumo e ao capitalismo temos o upcycling como uma ferramenta de produção de moda. Upcycling significa reciclagem e faz parte de um processo de extensão da vida útil das roupas por meio de algumas modificações ou mesmo de seu uso como matéria prima para a criação de outras roupas. Essa tem sido uma tendência muito ligada às questões ambientais e ao processo de descarte das roupas, mas que se encaixa como um modo de fazer seguindo a ideologia e estética Punk. |
Ventana faz uma releitura da estética Punk
A própria designer Punk, como é conhecida Vivienne Westwood, é uma das porta-vozes de movimentos na moda em prol do não consumo em excesso e da preservação das peças já compradas. Temos como uma versão atualizada e local a marca catarinense Ventana que produz suas peças usando o processo de upcycling e cuja diretora criativa usa como referência o Rock e o Punk na concepção das roupas. Abaixo temos algumas peças em que há interseção entre moda, música, upcycling e Punk se mostra mais explicitamente: |
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As peças em questão foram feitas a partir de um item clássico do guarda roupa de rock, as camisetas de banda. E seguindo com a lógica da intervenção/ manipulação que os punks faziam nas roupas elas são cortadas, remodeladas, são adicionados novos tecidos, viram outras peças como blazer e vestido. São acrescentados aviamentos como correntes, tecidos brilhantes e assimétricos e a camiseta passa a ter outra proposta visual. Essas roupas foram feitas pela Ventana, marca autoral de upcycling nascida em 2012. Todas as peças são produzidas a partir de materiais que seriam descartados e peças de segunda mão. O foco é estender o ciclo de vida de materiais e de peças que iriam para descarte. O lema do trabalho desenvolvido pela diretora criativa Gabrielle Pilotto é: “Não existe destino final, faça ser cíclico.” Em meio a uma sociedade de consumo, em que não só as criações de moda, mas tudo que se refere a produção de arte é feito de forma a ser rapidamente consumido e descartado, uma marca com tal lema se porta de maneira visionária e até inspiradora para outras pequenas marcas autorais. Essa produção se dá de maneira tão pouco convencional que a criadora diz que não existe padrão de modelagem, ou uma tabela. Tudo isso é definido no processo de produção e a peça é testada no corpo para ver se ela se encaixa na ergonomia e no conceito de conforto da designer. Pilotto entende que faz um trabalho de contar e recontar histórias, montar e remontar peças, estender seu ciclo. Todo o processo é feito de forma manual em um ateliê em Santa Catarina. Não só em seu processo de produção e uso de matérias primas, a Ventana se destaca de outras marcas, inclusive de marcas que têm como referência o rock e o Punk em suas criações. Podemos pensar que a silhueta e a estética dessas peças sofreram uma atualização em relação a aquela imagem já presente no imaginário social associada ao Punk. Há uma suavização das formas, em especial nas escolhidas, a sensualidade e a pele a mostra não são deixadas de lado em algumas peças, e os tecidos e as camadas ganham um protagonismo. Pode-se pensar na roupa recontando sua história, por isso ela aparece como protagonista e não o corpo que a veste. |
Punk contemporâneo
A moda é uma forma de contar a história daquele tempo, sendo não só o tempo presente mas um reflexo do passado e uma aspiração para o futuro. Dessa maneira, é interessante pensar na moda para além do vestuário e nos símbolos que ela suscita, nas reflexões que possibilita, nos uniformes que traz e que representam grupos em emergência no presente momento social. Como é o caso do jeans rasgado e couro sendo um uniforme Punk nos anos 70 e atualmente sendo interpretados como um visual ‘clássico’ do uniforme rock n’ roll. Criadores como Vivienne Westwood, desde os anos 70, e Gabrielle Pilotto da Ventana atualmente incorporam a rebeldia, transgressão e estética Punk em suas criações. A ideologia Punk também é disseminada em suas peças e no DNA de suas marcas que levam às passarelas questionamentos políticos e em relação a sociedade de consumo, fast fashion e o capitalismo em si. Não é preciso usar couro, roupas rasgadas e cabelos espetados para se identificar com a ideologia Punk e trazer alguns de seus questionamentos para a produção e consumo de moda nos dias atuais. Sendo essa uma das principais industrias do mundo, uma das que mais emprega pessoas, gera resíduos, polui o ambiente, tem trabalhadores em situação análoga a escravidão e dita tendências de vestuário e comportamento que são seguidas em maior e menor escala ao redor do mundo cabe aos consumidores e criadores adotar o questionamento, a ireverência e a inventividade Punk para pensar em novas formas da moda existir e ser feita no cenário da pós-modernidade. |
Referências eletrônicas: https://useventana.com/ https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/ventana-a-potencia-do-upcycling-sem-medo/ http://www.textilia.net/materias/ler/moda/moda-hit-da-estacao/marca_brasileira_de_upcycling_apresenta_colecao_em_sao_paulo https://www.instagram.com/ventana____/ |
Referências: ADVERSE, Angélica. “Desenhando o Tempo: Primeiras Aproximações entre a Arte e a Moda”. In: Moda: Moderna Medida do Tempo. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2012. pp.23-49. AVELAR, Suzana. “As Tecnologias e a Moda”. In: Moda: Globalização e Novas Tecnologias. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2009. pp.130-171. AVELAR, Suzana, AYER, Maurício. Um estranho través na moda na virada do milênio. 2012, pp. 133- 143. BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003. BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da Vida Moderna; trad. Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. BAUDRILLARD, J.Função-signo e lógica de classe. Em: A Economia Política dos Signos. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1996. BENJAMIN, Walter. “Moda”. In: Passagens; trad: Irene Aron (do alemão), Cleonice Paes Barreto Mourão (do francês). Belo Horizonte & São Paulo: Editora UFMG & Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. pp.101-119. BIVAR, Antônio. O que é punk. 5.ed. São Paulo: Livraria Brasiliense. 2001 BORTHOLUZZI, J. (2012). A relação entre a moda, o movimento punk e sua rainha, Vivienne Westwood. In Anais do 8. Colóquio de Moda. Rio de Janeiro. Recuperado de http://www.coloquiomoda.com.br/anais/anais/8-Coloquio-de-Moda_2012/GT06/COMUNICACAO-ORAL/102634_A_relacao_entre_a_moda_o_movimento_punk_e_sua_rainha_Vivienne_Westwood.pdf BRITO, Luiza J S. Moda E Upcycling:Análise Das Marcas Brasileiras “Transmuta” E “Ventana” E O Conceito Aplicado Na Criação De Coleções De Moda. 2021. Recuperado de:https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/14019/1/LuizaJobim%20TCC.pdf CASTRO, K. L., Castro, J. L. & Oliveira, A. N. (2015). A moda como objeto de informação: o caso do Movimento Feminista Punk Riot Grrrl. AtoZ: novas práticas em informação e conhecimento, 4(1), 24 – 33. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.5380/atoz.v4i1.41762 D’ALMEIDA, Tarcísio. A crítica baudelariana e a moda. In: As Roupas e o Tempo: uma Filosofia da Moda. pp. 74- 102. 2018. FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Nobel. 1995. FEIJÃO, Rosane. “A Moda na Modernidade”. In: Moda e Modernidade na Belle Epoque Carioca. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011, pp. 83- 132. GALLO, Ivone. Punk: Cultura e Arte. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 24, n. 40, p. 747-770, jul./dez. 2008. LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: a Moda e seu Destino nas Sociedades Modernas; trad. Maria Lucia Machado. 2. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. LIPOVETSKY, Gilles. SERROY, Jean. A Estetização do Mundo. Companhia das Letras. 2015. OLIVEIRA, Ana Claúdia de. “Espaços-Tempos (Pós)modernos ou na Moda, os Modos”. In: GUINSBURG, J. BARBOSA, Ana Mae (Orgs.). O Pós- Modernismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. pp. 473-531. MISKOLCI, Richard. Estéticas da existência e estilos de vida – as relações entre moda, corpo e identidade social. Iara, São Paulo, v. 1, n. 2, ago./dez., 2008. TREPTOW, Doris. Inventando Moda. Planejamento de coleções. São Paulo: Editora Cosac Naif, 2013. WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos. 1995.
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Maria Cecília Couto. Jornalista mineira, curiosa, pesquisadora e entusiasta do mundo da moda, fazedora de arte e pesquisadora de comunicação e cultura |
2 comentários
Raquel
Amei !!!
Raquel
Amei !!!